sexta-feira, 16 de março de 2012

Dia do consumidor: Sorria! Você está sendo filmado

Direto do Blog do Leonardo Sakamoto
Antes das sete chatices que enumerei para o seu Dia do Consumidor ficar mais agradável, um conselho: não deixe nenhuma organização, empresa ou administrador público te culpar pelas desgraças do mundo. Temos responsabilidade pelo que consumimos e a qualidade do mundo que deixaremos para os que virão depois, é claro. Mas corporações e governos têm muito mais do que nós, consumidores. Devem ser cobrados, dia e noite, sem descanso.
1) É coerente grandes empresas reivindicarem transparência do poder público e ignorarem quando a solicitação se dirige a elas mesmas? “Ah, isso é idiotice porque a iniciativa privada não tem obrigação de prestar esclarecimentos ao público como um governo tem.” Não, é? Exigir a rotulagem de produtos que contenham transgênicos em sua composição ou a obrigação de estampar que o tabagismo mata nos maços de cigarro dizem respeito a questões em que as escolhas de consumo estão diretamente relacionadas com a saúde pública. Mesmo assim, reivindicações desse porte foram e continuam sendo alvo de furiosas reclamações por parte de empresas e associações que curtem um capitalismo de mentirinha.
2) Liberdade de expressão é linda. Mas não pode ser garantida apenas pela metade. Parte das empresas da indústria reclama que exigir essa transparência toda é um atentado à liberdade. Mas, ao usar essa justificativa, o que acaba defendendo é o direito de ficar em silêncio para não se expor diante à sociedade. O problema é que essa omissão de informações acaba sendo um atentado contra a liberdade de escolha. E isso dentro do capitalismo, em que informação é fundamental para que o sistema funcione. Como é possível decidir se não há informação suficiente para isso nos rótulos dos produtos?
3) Você compra produtos de limpeza que usam mulheres sorrindo ao fazer a faxina de casa? Acredita em empresa de agrotóxico que utiliza crianças simpáticas e animais silvestres saltitantes em seu vídeo institucional? Botam fé em indústrias de cigarro que defendem “liberdade com responsabilidade”, usando um locutor de voz séria, mas aveludada (que claramente não fuma), no rádio? Não tenta explicar para o seu filho/filha que, ao contrário do que diz aquele comercial de biscoito recheado mostrando só crianças magrinhas, comer demais aquela coisa boa pode deixá-los dodói? Paga um pau para um anúncio de um automóvel que chega a 300km/h, mesmo que o limite de velocidade no país seja de 120 km/h? Acha uma graça o frango sorridente vendendo seus parentes mortos na propaganda de TV e depois reclama que não entende o que seja ironia? Acredita que um banco considere mais importantes as pessoas que o dinheiro delas?
4) Qual a diferença entre comprar e votar? Menor do que você imagina. Ter informação é fundamental para poder exercer a cidadania. Afinal de contas, comprar é um ato político, pois ao adquirir um produto você dá seu voto para a forma através da qual uma mercadoria foi fabricada (com desmatamento, com escravos, com crianças, em terras indígenas?) e mesmo o que ela representa. Quanto mais informação tivermos, mais liberdade teremos ao tomar uma decisão.
5) Você sente vergonha de reclamar? Se sim, então sinto vergonha de você. Sempre vi minha mãe reclamando como consumidora. Talvez tenha sido uma das melhores lições que ela me passou. Enquanto isso, tenho amigos que saem de perto quando vou questionar o gerente de uma loja por mais informação. Dizem que sentem vergonha alheia, que “uma pessoa educada não compra esse tipo de briga”, que “brigar por dinheiro é o fim da picada”. E aí reside o problema: a cordial sociedade brasileira curte criar bezerros para o abate e não seres autônomos. Criado como boi, boi será – a menos que seja conscientizado do contrário. Saia do rebanho. É divertido.
6) Nossa cordialidade aliada à preguiça faz coisas incríveis. Você já aceitou presentinho, pedidos de desculpas, acordos que prevêem apenas a solução de um problema que infernizou sua vida por eras? Exija indenização pela perda de tempo, de dinheiro, de dignidade, de humor! Não precisa ser muito, os tribunais de pequenas causas dão conta do recado. Duvido que as empresas não passem a ter um pouco mais de respeito com o cidadão tupiniquim. Não porque eles não conseguirão um acordo em várias delas, mas porque terão que gastar dezenas de horas de advogados com isso.
7) Brigar com empresa grande dá preguiça? Ô. Mas é divertido também, ainda mais em tempo de redes sociais, onde elas monitoram tudo e morrem de medo de campanhas relâmpago contra suas valiosas marcas no Twitter ou Facebook. Pois como diria Dona Rosa, poço de sabedoria do Vale do Jequitinhonha, tem coisa que é como o feijão, só funciona na pressão. É sensacional o fato da maior parte da população brasileira acreditar em um ser sobrenatural que tudo vê, seja ele ou ela quem for, e não ter fé no potencial transformador de suas próprias ações ou na sua capacidade de se organizar. Infelizmente, as ações para despertar o nível de consciência de todos sobre esse potencial dificilmente são patrocinadas. Ou são ensinadas nas escolas.
Ou aparecem nos anúncios da TV, entre um bloco e outro do telejornal da noite.

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